quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A CORUJA (Conto)

O trem apitou longe e, conhecendo bem a via férrea, o velho tentou lhe adivinhar a distância e presumir quanto tempo ainda levaria para que o som, que ainda crescia, começasse a morrer. Seguiu nesse jogo até que o som perdeu-se por completo.   
Catando um ou outro som longínquo ele buscava ainda encontrar alguma fraternidade com as coisas do mundo. Desesperado, tentava se convencer de uma fingida necessidade recíproca entre esses sons e ele. “quem os ouviria se eu partisse?” — repetia metodicamente.
O médico veio lhe ver à tarde e diagnosticou a piora.
Sussurrou à empregada que não havia mais nada o que fazer, senão esperar pelo pior.
O pior? O que seria o pior? Pensava o velho.
Ouviu distintamente um piado — ave de mau agouro.
O velho levou o indicador até os lábios, pedindo silêncio e atentou o ouvido.
— Escutaste isso? — perguntou olhando para o espaço vazio na cama. A velha morrera há anos.
Adivinhava a ave, esperando imóvel como se de pedra, altiva sobre um dos galhos do cinamomo que se estendiam até bem perto da janela. Podia imaginar-lhe os olhos — enormes e milimetricamente circulares. A perfeita geometria do medo.
O velho entendeu o significado.
Estava lá fora, esperando pacientemente. Grande e assustadora como um segredo só seu. 
Puxou as cobertas até a altura dos olhos, transido de horror e perdeu-se em um sono profundíssimo. 

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